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Meio ambiente: interesses econômicos acima da vida

 

Francisco Milanez
     Mais do que nunca, hoje é preciso agir em todas as frentes para salvar o planeta e o futuro das próximas gerações.
     As ações individuais são importantes, mas o colapso é tão grande que exige políticas que interfiram nos interesses dos grandes grupos econômicos, os maiores responsáveis pela destruição.



Mundo Jovem: Qual é a importância das políticas ambientais no âmbito municipal, estadual, federal e mundial?

Francisco Milanez: A questão ambiental é muito mais direta e importante se a olharmos como política de desenvolvimento e política econômica do que se a considerarmos como questão puramente ambiental ou pessoal. O valor do equilíbrio ambiental e das espécies é difícil de medir, porque é preciso acreditar que o equilíbrio do planeta precisa daquela espécie. As pessoas não entendem e muitas vezes referem-se a uma espécie como “uma praga”.

     O valor da preservação é importantíssimo, mas difícil de explicar. O valor econômico e o do desenvolvimento é muito mais fácil de compreender. O incrível é que isso não é valorizado. E falamos aqui em planejamento e desenvolvimento de qualquer riqueza que se tenha. No Japão, por exemplo (que não tem fonte de matérias-primas e que importa quase tudo), a grande riqueza é educação, competência e cultura. É isso que eles desenvolveram.


Mundo Jovem: Então, o meio ambiente tem também um valor econômico?

Francisco Milanez: Exatamente. E um fator de desenvolvimento insuperável é a água. Qualquer planejador sabe que, para a nossa qualidade de vida, o componente mais importante é o saneamento e o fator mais importante do saneamento é a água. A grande incidência de doenças infecciosas se dá pela falta de tratamento da água e do esgoto. A má qualidade da água que se bebe é responsável por 60% dos casos de doença. E são gastos por ano milhões e milhões de reais tentando resolver as doenças e não dão conta de resolver completamente. Portanto para as pessoas a água é importante. Mas, para a agricultura, é muito mais. Se a plantação for irrigada com água contaminada, o solo será contaminado e não tem como descontaminar.

     Também as indústrias procuram estabelecer-se em lugares com qualidade de água. Vão poluir? Sim, mas querem água limpa na entrada, para não corroer suas máquinas. A água e a qualidade do ar são fatores de desenvolvimento. A indústria está mapeando lugares para se estabelecer.


Mundo Jovem: O que podemos dizer sobre os acordos ambientais internacionais, como Rio 92, Tratado de Kyoto etc.?

Francisco Milanez: São importantes. Agora é preciso relativizar o efeito deles... O que faz acontecerem as coisas em favor da ecologia são as catástrofes e o fator econômico. A gente só cuida da saúde depois que adoeceu. Não cuidamos da saúde para não adoecer. Se adoeceu gravemente, vai cuidar mais. Assim é o ser humano, assim funciona, infelizmente.

     Na questão do clima, por exemplo, nós estamos entrando em colapso e já é tarde. Ficam divulgando que são oscilações do clima e que acontecem a cada 40 anos. Os países jogam de acordo com seus interesses econômicos, mesmo que de forma suicida. Os Estados Unidos estão fazendo isso. Eles negam o Tratado de Kyoto sobre o clima, porque, para estabilizar a produção de CO2, seria o mesmo que parar o desenvolvimento. Porque o CO2 deles é a indústria. Com 6% da população mundial, os americanos produzem 40% do C02 que está na atmosfera. E é o modelo econômico que nós estamos seguindo. Se os outros 94% da população mundial fizessem o mesmo, o mundo explodiria.

     A China está acelerando barbaramente. Vamos aqui lembrar uma coisa às vezes esquecida: a China comporta um quarto da humanidade. Com a revolução comunista, os chineses passaram a plantar e sobreviver. O território da China é grande, mas sua área agrícola é pequena, levando-se em conta que tem um quarto da humanidade. Na agricultura, eles conseguiram fazer um milagre: gasto zero de energia e poluição zero, o que possibilitou o desenvolvimento. Aproveitam tudo, transformam tudo, plantam arroz muda por muda e têm uma produtividade altíssima. Se eles adotarem o modelo americano, definitivamente não haverá natureza que possa suportar.

     Os tratados pouco conseguem mudar efetivamente. A ONU, por exemplo, só consegue impor o que interessa aos grandes. Por que a ONU não impõe a todos os países os tratados fortes, que tratam do clima? E aí tratado serve também para país desenvolvido impor níveis de competitividade. Se o país já tem dinheiro para tratar os esgotos, por exemplo, faz um tratado internacional que obriga os outros países a seguirem essa regra. Se não seguirem, aplicam boicotes comerciais. Então, o tratado muitas vezes vira jogo econômico.


Mundo Jovem: Quais sãos os maiores problemas político-ambientais no Brasil?

Francisco Milanez: Houve uma reforma constitucional na época do governo Fernando Henrique que aprovou a mineração para empresas internacionais. O minério brasileiro era só brasileiro e agora é de quem quiser. Inclusive um minério que se chama água. Não tem explicação entregar um patrimônio nacional como a Vale do Rio Doce. Significa entregar o subsolo brasileiro que era a única coisa restante para proteger.

     Na Amazônia, em relação ao desmatamento, há progressos muito importantes. Mas a fiscalização é um grande desafio porque existe apenas uma pessoa fiscalizando um milhão de quilômetros quadrados. É algo inatingível. Mas, se as terras onde são feitas queimadas fossem desapropriadas sem indenização, por exemplo, isto mudaria.

     Uma outra coisa foi a liberação para transnacionais coreanas e malasianas explorarem a Amazônia. Eles acabaram com a floresta tropical na Malásia e na Coréia e vão fazer exploração sustentável aqui?


Mundo Jovem: Os transgênicos também são uma questão ecológica?

Francisco Milanez: A pior de todas as coisas, em relação à qual o governo Lula não fez o suficiente, é a questão dos transgênicos. Já comprometeu a economia, porque nós passamos o grande momento para a soja brasileira, que foi da época da introdução do plantio da soja transgênica nos Estados Unidos e Argentina. A nossa soja valia mais, por não ser transgênica. O Brasil tinha, com isto, mercado garantido em outros países e com um alto preço. Foi um erro liberar o transgênico. Até mesmo se ele fosse bom para a saúde e para o meio ambiente. Tínhamos, pela primeira vez na história, vantagem sobre os dois outros grandes produtores de soja e jogamos isto fora por não termos reprimido o contrabando e o plantio criminoso de soja transgênica no país, que ainda por cima foi legalizada no final. A transgenia é a reconstrução da escravatura do terceiro mundo, é uma fábrica de escravos. Sem falar no risco à saúde e ao meio ambiente, que não está descartado.


Mundo Jovem: E as florestas?

Francisco Milanez: Da Floresta Atlântica, que é a mais importante do mundo, onde está a maior biodiversidade mundial, restam apenas 5%. Da Floresta Amazônica ainda temos 90%. Só que tem um detalhe: segundo a teoria de Eneas Salati, a Amazônia é um deserto grande, comparado ao Saara. E toda a água dela é bombeada do Oceano por um sistema absolutamente milagroso, que é o próprio ecossistema amazônico. Nenhum outro sistema vivo seria capaz de fazer este milagre que foi desenvolvido através de milhares de anos de co-evolução das espécies. É como se a Amazônia fosse uma bomba de água. As principais áreas de desmatamento amazônico estão no Maranhão e no Pará, exatamente no litoral. Não tendo o ecossistema para devolver a água para o ar e seguir o ciclo, a Amazônia inteirinha poderá entrar em colapso e virar deserto. A origem da água da Amazônia é do Atlântico.

     Ninguém sabe o quanto pode tirar da floresta sem provocar o colapso. A gente pode tirar um braço, mas não pode tirar o coração, por exemplo, que é bem menor do que um braço. E o lugar onde a Amazônia está sendo desmatada é na pior área, é no coração. Já se constatam períodos de seca, coisa que não acontecia. E a Amazônia regula o clima mundial porque a água é o maior regulador de clima. Não existe nenhum lugar no mundo que possa ser comparado com a quantidade de água que tem na Amazônia. E não estou falando dos rios, e sim do ar, porque 75% da água está no ar, e é o que regula o clima. A água durante o dia por estar no Equador, recebe o máximo de insolação, absorve o máximo de calor. Durante a noite cede calor para o meio e não deixa esfriar. A Amazônia varia entre três ou quatro graus durante o ano. Existem plantas que, se a temperatura variar cinco graus, podem não resistir. As plantas e os animais são delicados por terem se desenvolvido neste clima estável.


Mundo Jovem: O peso econômico minimiza o peso dos acordos sobre o meio ambiente?

Francisco Milanez: A sociedade produtiva, no sentido empresarial, é tão caótica, tão desorganizada, tão autocentrada em suas próprias atividades, que se não fossem as lutas da sociedade civil, presente há 38 anos, já teria acabado a potencialidade econômica do país. Não cuidamos nem da nossa própria potencialidade. Porque se a gente vai ao mercado e compra algo mais baratinho vindo da China, por causa da abertura do mercado, não nos damos conta de que quebra a indústria nacional. Daqui a pouco não vai ter quem compre nada, porque todos estarão desempregados. Há um equívoco sobre a abertura de mercado: é um discurso que os países ricos fazem para os países pobres, mas eles próprios não realizam. São discursos, no mínimo, desonestos.

     As ONGs não têm muito poder, mas elas são a única coisa que temos para defender o meio ambiente. Os governos são eleitos pela população e gerenciados pela economia. Se não tiver ninguém pressionando, eles fazem só o que a economia quer. De vez em quando eles atendem a população, porque somos votantes, mas vamos lembrar que os votantes só votam a cada quatro anos e os outros estão todos os dias lá com lobistas muito competentes e usam argumentos muito convincentes.